Britânico John Clarke, francês Michel H. Devoret e americano John M. Martinis são premiados por desvendar como o tunelamento quântico e a quantização de energia se manifestam em circuitos elétricos macroscópicos, estabelecendo a base para os primeiros qubits.
Prêmio Histórico para o Futuro da Tecnologia
O Prêmio Nobel de Física de 2025 foi concedido nesta terça-feira (7) aos pesquisadores John Clarke (Reino Unido), Michel H. Devoret (França) e John M. Martinis (Estados Unidos) por descobertas fundamentais que demonstraram fenômenos da mecânica quântica em circuitos elétricos. O trabalho, anunciado em Estocolmo pela Academia Real de Ciências da Suécia, estabeleceu a base para o desenvolvimento de uma nova geração de computadores extremamente poderosos, os chamados computadores quânticos, além de sensores de precisão e criptografia avançada.
A láurea reconhece a demonstração do tunelamento quântico e da quantização de energia em escala macroscópica. Este é um reconhecimento que ocorre justamente no centenário da fundação da mecânica quântica, a teoria que explica o comportamento da matéria em suas menores escalas.
O comitê do Nobel destacou que, para além da ciência fundamental, “não há tecnologia avançada usada hoje que não dependa da mecânica quântica, incluindo telefones celulares, câmeras… e cabos de fibra óptica”. O trabalho dos laureados levou essa dependência a um novo patamar tecnológico.
“Estou completamente surpreso. Na época, não percebemos de forma alguma que essa poderia ser a base para um prêmio Nobel”, disse o professor John Clarke, que nasceu em Cambridge, no Reino Unido, e agora trabalha na Universidade da Califórnia em Berkeley. Ele pareceu perplexo com o fato de seu trabalho, concluído há 40 anos, ser digno do prêmio mais prestigiado da ciência.
A Ciência por Trás da Premiação: O Que Eles Fizeram?
O trabalho do trio de físicos atacou uma das perguntas mais intrigantes da ciência moderna: até que ponto o mundo quântico (das partículas invisíveis) também vale para o nosso mundo real, o que a gente enxerga e toca?
Tunelamento Quântico em Escala “Gigante”
Na física convencional, se você atira uma bola contra uma parede, ela inevitavelmente ricocheteia. Contudo, na mecânica quântica — que rege as partículas subatômicas — isso não é uma regra. Partículas podem “quebrar regras”, como viajar por barreiras de energia que a física clássica diz serem impossíveis. Este fenômeno é conhecido como tunelamento quântico.
Na prática, Clarke, Devoret e Martinis construíram um circuito feito de supercondutores (materiais que conduzem corrente sem resistência elétrica) separados por uma fina camada isolante, formando uma junção Josephson.
Quando a corrente atravessava o circuito, os cientistas perceberam algo inédito: o sistema conseguia “atravessar” uma barreira de energia — o que era a evidência de que o tunelamento quântico podia ser reproduzido não apenas no mundo quântico microscópico, mas também em circuitos elétricos macroscópicos.
Isso significava que o circuito, mesmo sendo composto por bilhões de partículas, agia como se fosse uma única “partícula gigante”, obedecendo às mesmas regras da mecânica quântica.
A Quantização de Energia Macrospcópica
Em 1985, o trio também fez uma outra demonstração crucial: a própria quantização de energia poderia surgir no contexto macroscópico.
A quantização é a noção fundamental da física quântica de que energia só pode ser trocada em pacotes mínimos, discretos, chamados de quanta. É por isso que a energia existe em “degraus” e não em um contínuo.
Os experimentos demonstraram que este princípio, que rege os elétrons dentro dos átomos, pode ser levado para a escala macroscópica em seus circuitos.
O conhecimento desse tunelamento e quantização em circuitos elétricos foi essencialmente a “receita” aproveitada por cientistas na fabricação de chips quânticos modernos.
Implicações da Pesquisa: O Salto para o Qubit
A transposição dos fenômenos quânticos para o mundo clássico é o preceito fundamental para o desenvolvimento de tecnologias que façam uso deles.
O professor John Martinis, por exemplo, utilizou mais tarde o princípio da quantização de energia, descoberto com seus colegas, para construir os primeiros protótipos de bits quânticos (qubits). Qubits são os blocos fundamentais dos computadores quânticos.
Enquanto um bit em um computador tradicional só pode ser 0 ou 1, o qubit, graças à mecânica quântica, pode ser 0 e 1 ao mesmo tempo — em um estado chamado superposição.
Essa capacidade de estar em múltiplos estados simultaneamente é o que confere aos computadores quânticos o potencial de resolver problemas complexos em segundos — tarefas que levariam anos ou seriam impossíveis para as máquinas convencionais.
“Isso é extraordinário porque abriu caminho para os computadores quânticos, capazes de resolver problemas impossíveis para máquinas tradicionais, e para sensores de altíssima precisão, que podem revolucionar áreas como medicina, segurança de dados e exploração espacial,” destacou José Rafael Bordin, membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências e professor associado da UFPEL.
A professora Lesley Cohen, reitora associada do Departamento de Física do Imperial College London, reforçou que o trabalho “estabeleceu as bases para os Qubits supercondutores — uma das principais tecnologias de hardware para tecnologias quânticas.”
O Contexto Histórico da Mecânica Quântica
A escolha do Comitê Nobel vem a calhar, justamente no ano que marca o centenário da moderna teoria quântica.
Em 1925, o físico alemão Werner Heisenberg foi o primeiro a teorizar a natureza bizarramente probabilística de objetos quânticos.
A realidade quântica depende essencialmente do observador e de como ele a aborda. É o chamado Princípio da Incerteza, formulado por Heisenberg em 1927: se o físico mede com precisão a velocidade de uma partícula, a ele é vedado saber com precisão a posição dela, e vice-versa.
Este princípio é a base de fenômenos contraintuitivos como o tunelamento, que o físico britânico Stephen Hawking usou para compreender, por exemplo, como buracos negros podem perder energia e evaporar (embora Hawking jamais tenha sido premiado com o Nobel).
O trabalho de Clarke, Devoret e Martinis reside justamente na interface entre os mundos clássico e quântico, ajudando a explorar a turva divisa em que se especula que possa ocorrer um “colapso da função de onda”, fazendo com que a natureza deixe de agir de forma probabilística e se torne determinística, como parece ser o mundo à nossa volta.
Detalhes e Curiosidades sobre o Nobel de Física
Os três ganhadores têm laços com a Califórnia, nos Estados Unidos. O britânico John Clarke, 83, pertence à Universidade da Califórnia em Berkeley, e seus colegas, o francês Michel H. Devoret e o americano John Martinis, à Universidade da Califórnia em Santa Cruz.
A premiação de 11 milhões de coroas suecas (equivalente a aproximadamente R$ 6,3 milhões), a ser dividida entre os ganhadores, foi estabelecida como desejo deixado em testamento por Alfred Nobel (1833-1896), químico e empresário sueco famoso pela invenção da dinamite. A cerimônia de entrega das láureas em Estocolmo está agendada para 10 de dezembro.
Curiosidades do Prêmio:
- Jovem Ganhador: O mais jovem detentor de um Nobel de Física é o australiano William Lawrence Bragg, que tinha 25 anos em 1915, quando dividiu a láurea com o seu pai.
- Ganhador Mais Velho: O mais velho, por sua vez, é Arthur Ashkin, que recebeu sua láurea em 2018 aos 96 anos por pesquisas com laser.
- Mulheres Premiadas: Desde 1901, apenas cinco mulheres receberam o Nobel de Física, incluindo Marie Curie (1903) e Donna Strickland (2018). Marie Curie é também a única pessoa a ganhar o Nobel em duas categorias diferentes (Física e Química).
- Vencedores Famosos: Entre os agraciados estão nomes como Albert Einstein (1921) e Peter Higgs (2013).
Próximos Anúncios da Semana do Nobel
A láurea em Medicina é sempre a primeira a ser anunciada, seguida pela de Física. Os prêmios em Química, Literatura e Paz serão entregues ao longo da semana; já a láurea em Economia será divulgada na próxima segunda (13).
- Química: quarta-feira, 8 de outubro
- Literatura: quinta-feira, 9 de outubro
- Paz: sexta-feira, 10 de outubro
- Economia: segunda-feira, 13 de outubro
Fontes:
BBC – O trabalho sobre computadores quânticos que deu Prêmio Nobel de Física a pesquisadores. BBC
G1 – Nobel de Física 2025: entenda pesquisa que recebeu a premiação. G1
Estadão – Quem são os ganhadores do Nobel de Física de 2025. Estadão
CNN Brasil – Cientistas com descobertas em mecânica quântica ganham Nobel de Física. CNN Brasil
Folha de S.Paulo – Nobel de Física 2025 vai para fenômenos quânticos em escala macroscópica. Folha de S.Paulo
