São Paulo — A Polícia Civil de São Paulo fechou duas fábricas clandestinas e cumpriu 10 mandados de busca e apreensão em quatro cidades, apreendendo 316 mil rótulos falsos e 3.050 garrafas prontas para enganar consumidores. A ação, batizada de Operação Última Dose, ocorreu em Osasco (Grande São Paulo), Sumaré e Americana (interior paulista) e teve desdobramento em Poços de Caldas (MG), num movimento que visa desarticular a cadeia de falsificação de destilados em meio ao surto de intoxicação por metanol. Segundo o relato oficial, os endereços operavam como núcleos de preparação, envase e distribuição, com prensas de lacres, tampas, rótulos e caixas prontos para circular como se fossem marcas premium. Metrópoles
A ofensiva amplia o cerco iniciado ao longo das últimas semanas, quando o governo paulista criou um gabinete de crise e integrou vigilância sanitária, polícia e Procons para rastrear a origem de bebidas adulteradas. Em paralelo, o Ministério da Saúde instalou uma sala de situação e publicou nota técnica determinando notificação imediata de casos suspeitos e padronizando o atendimento nas emergências, inclusive com orientações sobre uso de etanol farmacêutico como antídoto e critérios para hemodiálise em quadros graves. O objetivo é encurtar o tempo entre a suspeita clínica e a resposta laboratorial, além de mapear rapidamente os pontos de venda e produção. CNN Brasil+1
No terreno policial, a Última Dose mirou a logística invisível que sustenta o golpe da “garrafa perfeita”: rótulos originais, tampas crimpadas e embalagens de primeira linha que dão aparência autêntica ao conteúdo ilícito. Em Osasco, investigadores localizaram maquinário de envase e um estoque de rótulos e garrafas; em Sumaré, apreenderam bebidas já prontas e insumos para falsificação; em Americana, recolheram caixas com milhares de rótulos e lacres. A polícia identificou responsáveis e levou investigados à delegacia; parte dos alvos fugiu na chegada das equipes, e as buscas seguem. O balanço preliminar destaca a escala industrial da fraude e sua capilaridade regional. Metrópoles
A dimensão sanitária impõe pressa. O CIEVS (Centro Nacional de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde) contabilizou dezenas de notificações no país desde o fim de setembro, a maioria em São Paulo, o que levou a Saúde a articular protocolos de manejo e comunicação ativa a hospitais públicos e privados, com gatilhos claros para notificar, coletar amostras e acionar toxicologistas dos CIATox. O ministério também formalizou, em publicação oficial, procedimentos de triagem, diagnóstico e tratamento, reforçando que metanol não tem cheiro nem sabor distintivo, e que a confirmação depende de exame laboratorial. Na prática, a orientação nacional funciona como manual de bolso para urgências e vigilâncias estaduais em plena crise. CNN Brasil+1
Ao mesmo tempo, dados atualizados por veículos nacionais mostram a expansão das suspeitas e das investigações em poucos dias, com números variando conforme o recorte temporal dos boletins: relatos partem de dezenas de casos com óbitos confirmados e em apuração, sempre com São Paulo como epicentro e registros emergentes em outros estados. O padrão comum é a triangulação entre bares, adegas e depósitos/distribuidoras que alimentam um mercado paralelo de destilados com preço abaixo da média. Em comunicados recentes, o governo paulista detalhou interdições, lotes lacrados e apreensões que somam dezenas de milhares de garrafas, além de perícias em andamento. ISTOÉ Independente+2Band+2
Para quem está à frente do balcão — bares, restaurantes, adegas —, a operação deixa recados práticos. O primeiro é que nota fiscal e rastreabilidade voltaram a ser cláusula de sobrevivência: estoque sem comprovação de origem tem sido alvo preferencial de apreensão. O segundo é que exibição da garrafa no ato do serviço, com lacre visível e dose servida à vista do cliente, reduz risco reputacional e jurídico. O terceiro é que recipientes vazios viraram insumo crítico do crime; por isso, avança no Legislativo proposta para obrigar a trituração de garrafas de destilados após consumo, de modo a impedir reuso por falsificadores. A justificativa é simples: retirar da rua a matéria-prima que dá “cara legítima” ao golpe. ISTOÉ Independente
Do lado do consumidor, a mensagem central é de redução de dano enquanto a curva de fiscalização sobe. Especialistas lembram que a intoxicação por metanol pode demorar horas para manifestar sintomas — como dor de cabeça intensa, náusea, confusão, visão embaçada e fotofobia — e, quando chega, pode ser grave e evoluir para cegueira ou morte. A orientação é procurar emergência diante de sinais incomuns após ingerir destilados, levar amostra da bebida se possível e informar onde consumiu. As notas técnicas reforçam que o tempo é determinante no prognóstico; daí a insistência em notificação imediata e em linhas de cuidado que encurtam o caminho até o antídoto e a hemodiálise, quando indicados. CNN Brasil+1
A leitura investigativa da Última Dose dialoga com um traço estrutural: o poder econômico do mercado clandestino. Entidades do setor estimam que a adulteração alcança parcela significativa do volume de destilados no país, com perdas fiscais bilionárias e efeito corrosivo sobre a concorrência leal. A combinação de margens altas, insumos baratos e alto poder de engano (graças ao “kit rótulo + tampa + garrafa legítima”) cria incentivos para que células criminosas migrem de produto sempre que a fiscalização aperta. Fechar fábricas e apreender rótulos não encerra o problema; desorganiza a rede e aumenta o custo do crime, o que, no curto prazo, salva vidas. Noticias R7
A partir do que foi coletado nesta segunda-feira, a Polícia Civil aponta para três alavancas de impacto rápido. A primeira é subir a cadeia a partir da papelada: fornecedores de rótulos, gráficas que imprimem etiquetas, fabricantes de tampas e lacres e transportadoras contratadas. A segunda é usar inteligência financeira para rastrear pagamentos e alugueis — depósitos, galpões e “casas-base” — vinculados aos endereços, fechando o cerco a financiadores e receptadores. A terceira é consolidar o efeito demonstração: operações de alto volume, com divulgação de fotos e contagem de apreensões, tendem a inibir replicadores de baixo nível e a elevar o risco percebido pelos operadores da rede. Metrópoles
Outra frente que avança é a competência federal. Diante da suspeita de participação do crime organizado, a Polícia Federal abriu apuração para enxergar conexões interestaduais e o possível uso de rotas que transcendem o perímetro paulista. Essa costura responde ao fato de que insumos, embalagens e capital circulam por múltiplas unidades da Federação; a adulteração não nasce, cresce e morre num único município. Com a PF no terreno, a troca de dados com Receita, ANTT e Anvisa tende a ganhar velocidade. CNN Brasil
No front regulatório, o governo de São Paulo adotou medidas não penais com impacto direto: interdição de estabelecimentos, lacração de lotes sem documentação adequada e testes periciais orientados por risco. Em uma das ações mais recentes, um lote de 128 mil garrafas de vodca foi lacrado em Barueri, aguardando a regularização dos papéis; em outras diligências, fiscais e policiais varreram bairros da capital e cidades do entorno, recolhendo garrafas sem rótulo e produtos sem procedência. O recado para o varejo é de tolerância zero com estoque opaco — e, para o consumidor, que o poder público está intervindo onde há maior probabilidade de risco. Rádio Itatiaia+1
Sob a ótica de política pública, a Última Dose joga luz em três tarefas de médio prazo. 1) Cadeia segura e verificável: estimular que grandes fabricantes adotem marcação de segurança e rastreamento digital por lote, com verificação simples por QR e registro em banco público. 2) Sucatear o insumo do crime: aprovar normas que obriguem inutilização de garrafas no ponto de consumo (com incentivos a trituradores, logística reversa e contratos com cooperativas). 3) Educação e comunicação: campanhas didáticas sobre preços suspeitos, “refil” e sinais de adulteração, sem culpar a vítima — porque o golpe mimetiza muito bem a realidade. O Brasil já fez isso com medicamentos e agrotóxicos; bebidas alcoólicas, pela escala do surto, pedem tratamento semelhante. ISTOÉ Independente
Um elemento técnico costuma passar despercebido: o laboratório certo, na hora certa. A resposta paulista mapeou a rede de laboratórios de referência (como os polos de Campinas, Botucatu e Ribeirão Preto) e a malha dos CIATox para encurtar o diagnóstico. A engrenagem reduz falsos negativos clínicos (quando sintomas começam leves) e falsas certezas (“achei que era ressaca”). Sem provas laboratoriais, a repressão perde força nos autos e a vigilância perde velocidade. Daí a insistência de Saúde e Segurança na dupla coleta + cadeia de custódia, tanto da bebida quanto de materiais em endereços suspeitos. Correio Paulista
Do ponto de vista do mercado, o caso põe à prova compliance de distribuidores e atacadistas. Exigir contratos formais, auditorias de fornecedores e segregação de estoques (o que é consignado, o que é próprio, o que veio de fabricante homologado) deixou de ser “melhor prática” para virar blindagem de sobrevivência. Operadores que trabalham no limite, comprando “lotes de oportunidade” de origem nebulosa, tendem a arrastar o varejo — e o consumidor — para o risco penal e sanitário. A pressão pública e os números da Última Dose podem empurrar a cadeia para o lado da transparência, especialmente se a fiscalização seguir inteligente e constante, não só reativa a tragédias. Metrópoles
A comunicação oficial também subiu um degrau. Em notas e entrevistas, as autoridades têm evitado pânico e, ao mesmo tempo, afirmado a excepcionalidade do momento — algo “fora da série histórica”, como disse o ministro da Saúde, ao justificar a sala de situação. Isso faz diferença nas pontas: pronto-socorros calibram a suspeição clínica, agentes de campo priorizam amostras por risco e a opinião pública entende que nem toda garrafa está contaminada, mas que há condutas seguras a adotar. Transparência — números, endereços interditados, laudos publicados — mantém a confiança social enquanto a repressão avança. CNN Brasil
Em síntese, a Operação Última Dose cumpre dois papéis. No curto prazo, quebra a perna de laboratórios clandestinos com grande capacidade de engano — e retira de circulação um arsenal de rótulos e garrafas que alimentaria meses de fraude. No médio prazo, oferece inteligência para políticas de rastreio, descarte e punição. A crise do metanol expôs uma ferida conhecida: a porosidade entre formal e informal na cadeia de bebidas. A resposta que salvará mais vidas não é episódica: é integrada, com polícia, saúde e regulação andando juntas — da fábrica clandestina ao pronto-socorro, do balcão à Justiça. Metrópoles
Fontes
Metrópoles — “Última dose: operação fecha 2 fábricas clandestinas de bebidas em SP”; 316 mil rótulos, 3.050 garrafas e cidades-alvo (Osasco, Sumaré, Americana; desdobramento em Poços de Caldas). Metrópoles
CNN Brasil — “Bebida com metanol: Brasil tem 43 casos e Saúde cria sala de monitoração”; instalação de sala de situação e números iniciais por estado. CNN Brasil
Ministério da Saúde — Nota Técnica Conjunta nº 360/2025 (orienta notificação imediata, manejo clínico e antídoto/diálise). Serviços e Informações do Brasil
Band / Itatiaia / ISTOÉ — ações do Governo de SP: interdições, lacração de lote em Barueri, confirmação de casos e gabinete de crise. Band+2Rádio Itatiaia+2
ISTOÉ — proposta na Alesp para triturar garrafas e coibir reuso por falsificadores. ISTOÉ Independente
